O relacionamento cheio de nuances entre os jovens da geração Z — aqueles nascidos entre os anos 1996 e 2010 — e o mercado de trabalho já virou pauta de discussões acaloradas em todo o mundo.
Os debates já deram origem a badalados termos, como o quiet quitting, rage applying e job hopping.
Juntas, as palavras rebuscadas buscam sintetizar certos padrões de comportamento que os mais jovens demonstram no mercado de trabalho, mas, na verdade, exibem apenas uma brusca mudança de modos e padrões.
O distanciamento entre os desejos e objetivos dos jovens da geração Z e a devolutiva oferecida pelo mercado faz com que muitos profissionais se distanciem da vida corporativa tradicional.
Uma pesquisa do Monitor Global de Empreendedorismo (GEM) indica que 8 milhões de jovens entre 18 e 24 anos estão liderando negócios próprios.
Um levantamento recente da startup de benefícios corporativos Caju, em parceria com a consultoria Consumoteca, com jovens da geração Z na América Latina, apontou que 54% visam ter seu próprio negócio e 10% almejam se tornarem profissionais liberais.
Enquanto isso, apenas 19% disseram pensar em trabalhar em uma empresa que ofereça plano de carreira e benefícios.
Se de um lado a busca por flexibilidade espanta os jovens das rotinas corporativas, de outro, desperta um desejo crescente de virarem líderes de suas próprias carreiras, alimentando assim o impulso empreendedor.
Atualmente, ter o próprio negócio é o sonho de 77% dos jovens pertencentes a essa geração, também conforme a pesquisa da Caju/Consumoteca.
Para Alessandro Saade, superintendente executivo do Ensino Social Profissionalizante (Espro), entidade voltada à capacitação e inserção de jovens no mercado de trabalho, o ensino tradicional não contempla hoje disciplinas específicas capazes de preparar jovens a uma realidade que fuja do tradicional mercado de trabalho.
“Hoje o modelo de ensino serve para criar mão de obra, e não para formar empreendedores”, avalia Saade, que é autor de livros sobre empreendedorismo concebidos para distribuição a alunos do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino.
Saade é também fundador da plataforma Empreendedores Compulsivos, voltada a capacitar empreendedores brasileiros a partir da educação e formação por meio de cursos, mentorias e palestras.
Sob o viés de viabilização de oportunidades a empreendedores brasileiros, Saade pontua que atrair jovens a este universo depende, em boa medida, de ações de apoio à formação específica que surgem desde a ponta, ou seja, ainda durante o ensino básico.
Para contornar essa lacuna, o tema é abordado de maneira transversal nos cursos gratuitos de capacitação e na formação teórica de jovens aprendizes.
Nos cursos preparatórios do Espro, por exemplo, são ensinados não apenas conceitos práticos e habilidades técnicas, mas também as chamadas soft skills, como inteligência emocional, cidadania e princípios básicos de gestão.
Atraindo os jovens para o empreendedorismo
Novas motivações
Reduzir o distanciamento entre jovens e o empreendedorismo, ele afirma, também depende da criação de caminhos alternativos e o incentivo por oportunidade, em vez da necessidade.
“Vemos jovens empreendendo por necessidade, e não necessariamente por vocação. Ele busca fugir da carreira corporativa e também evita trabalhar em um negócio informal. E toda vez que isso acontece, tem uma grande chance de ser mais intenso e talvez dar errado, pois não há uma estrutura”, diz.
À frente do Espro, o executivo busca mudar essa realidade por meio de capacitações especificamente para jovens em vulnerabilidade social. Anualmente, a entidade forma cerca de 40 mil novos alunos.
Ter boas referências
Além da mudança de motivação para abrir o próprio negócio, Saade destaca a importância das referências no processo empreendedor. Para ele, o jovem muitas vezes carece de exemplos de pessoas com jornadas empreendedoras bem-sucedidas em seu ciclo social.
“O exemplo inspira. Temos que investir na comunicação desses exemplos e entender que eles são fonte importante de motivação”, afirma.
No caso dos jovens em vulnerabilidade social, cuja vocação empreendedora parte, muitas vezes, da necessidade, a referência é ainda mais relevante.
“Para eles, esse contexto de empreender por oportunidade de mercado está totalmente fora da realidade com a qual ele está acostumado”, diz. “É preciso mostrar para o jovem que, se ele quiser, ele pode — e que isso não está limitado a uma questão financeira ou social”.
Mudança de paradigma
O processo de empreender passa por inúmeras tentativas e erros. Desse modo, há a necessidade de uma profunda mudança comportamental, avalia Saade.
Considerada “difícil de se trabalhar” e um desafio para a gestão de 68% das empresas, segundo pesquisa da EDC Group, os jovens da geração Z devem refletir aspectos como resiliência e disposição ao risco, abandonando a zona de conforto, avalia.
Para ele, há um desafio de mudança de mentalidade, especialmente no que diz respeito ao modo de encarar os erros e frustrações.
“Entendo que a juventude tem esse ponto de atenção, porque ela se frustra muito rápido, e isso para um empreendedor é um risco”, diz.
“O jovem precisa entender que é sempre preciso dar um passo adiante, e no empreendedorismo isso está relacionado ao risco e necessidade de progressão”, afirma Saade.
Dar acesso às ferramentas
Proporcionar condições que facilitem o acesso ao ferramental e às condições para que uma ideia de negócio prospere é vital para que novas gerações coloquem em prática o desejo de empreender.
Na prática, o acesso a ferramentas simples para gestão e execução e criação de um plano de negócio basta, além do contato com mentores dispostos a palpitar em favor do sucesso de um pequeno negócio.
Saade também destaca a necessidade da criação de um ecossistema fora do universo das startups, algo que pode desmistificar a ideia de que o empreendedorismo jovem está limitado à criação de empresas de tecnologia.
“Falta criar esse ecossistema onde o jovem possa receber a informação, suporte, metodologia ou recurso financeiro para crescer. Com isso, qualquer coisa que ele queira lançar terá apoio e caminhos para chegar lá”.
É nesse contexto que está inserido o apoio de grandes empresas e instituições de classe e associações. Com programas específicos de incentivo ao empreendedorismo e educação empreendedora, de cursos a financiamento de projetos, ideias desenvolvidas pelas novas gerações tendem a ganhar visibilidade — e logo, maiores chances de saírem do papel.
Um exemplo recente dessa aproximação foi uma capacitação gratuita em parceria com a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que estimulou jovens de São Paulo a criar um projeto de impacto social e de cunho empreendedor inovador.
O resultado foi uma plataforma de e-commerce de moda exclusiva, que comercializa roupas para pessoas com deficiência. Com o apoio institucional do Espro e das mais de 120 entidades financeiras vinculadas à ABBC, o projeto — entre tantos outros — pode ganhar vida.
(Texto de Maria Clara Dias)